Forró para Todo Mundo

[Diálogos direto do salão]

‘O que que é isso, Zumba?’ Me pergunta o forrozeiro com um ar de indignação na cara.

Dou uma gargalhada. Esse parceiro de dança reclama de todas as músicas rápidas. Ele gosta das lentas, as de coração.

“Sofrência” é a palavra certa para esse sentimento, uma palavra que nem existe gramaticalmente, mas explica perfeitamente a alma Brasileira, o aperto no peito do velho sertão. Vem da seca, do nordeste, trazendo imagens de casais dançando no chão de terra, ao por do sol, levantando poeira, suando com alegria.

Vem de dançar a tristeza embora, de esquecer da fome, da sede, do desespero…

Sou tirada do devaneio por uma voz que me pergunta:

’Tá louca pra dançar né?’

É outro dançarino, um que gosta das músicas aceleradas, acho até que quanto mais melhor.

‘Como é que você sabe?’

‘Ué! Ta dançando sozinha!’

Eu nem tinha percebido, rio de mim mesma. Acho que estou sempre me mexendo sem nem notar, em lugares inapropriados até. Na balsa, em ônibus, estações, trens, enquanto caminho, patino, espero em filas, nas ruas. 

Não ligo muito, normalmente estou em outro mundo, dentro de alguma história, vendo dragões, sacerdotisas, homens com asas, ou pior, bem pior. Mas nesse exato momento estou um pouquinho embaraçada, um tantinho só.

Será que estava tão a fim de dançar que dava para ver do outro lado do salão? Ah, paciência, né? Estou sempre a fim de bailar. Minhas células têm desígnios próprios, dançar está em sua programação. No momento fico feliz de compartilhar meus passos, ao invés de ficar balangando sozinha.

Alguns dias depois, quando tenho chance de colocar a caneta no tablet, posso registrar a parte que mais quero escrever. É sobre o dançarino que não quer dançar as músicas lentas, os Xotes, como são as tais músicas chamadas. As canções com “sofrência”, uma palavra que foi esse dançarino que generosamente ma ofereceu.

Ele diz que só tem mais dois corações para gastar.

Quando vê minha “cara de interrogação” explica:

‘Já perdi muito coração nessa vida. Não tenho muito mais não para distribuir por aí. Dois no máximo! Xotes, eles quebram o coração da gente. Eu tenho que tomar cuidado, eu me dou todo, cara. De verdade. Então tenho uma política, xote não, só música rápida. O coração fica aqui protegido.’ Bate a mão no peito.

Esse é dos meus. Eu entendo, perfeitamente. Só que eu, euzinha, devo ter umas centenas de corações para distribuir. Dou o meu por aí o tempo todo.

Você está lá, tem química de dança e conexão, e você tem uma dança divina, desliza em união, a música, inspiradora, o perfume do parceiro te enfeitiçando, rosto no rosto, e os movimentos em sincronismo absoluto.

Eu digo:

‘Eu sei! Você tem essa dança perfeita, dá tudo o que tem, e o parceiro sai andando com o seu coração, você fica lá, cirurgia de peito aberto, o coração foi com o outro, você tá lá sangrando, sentindo as veias se desenrolando do seu corpo, saindo, seguindo a pessoa.’

Ele concorda e completa meu pensamento, a voz se afinando com o sentimento de afronta:

‘É! E eles saem andando, como se nada tivesse acontecido!’ A voz dele é quase um falsetto nesse momento.

“E você fica lá, sua vida totalmente transformada” fico pensando comigo mesma, e continuo em voz alta:

‘Algumas vezes você perde outros órgãos também, um rim, um fígado, pulmões, frequentemente. E vale dizer, uns órgãos íntimos estão sempre a perigo.’ Eu falo para meu amigo que não dança música lenta. Eu o entendo tão bem.

‘Sim, exatamente! Eu não posso mais fazer isso. Só tenho mais dois corações para dar nessa vida!’ Ele se repete. ‘Preciso guardar eles para a hora certa. Então só danço música rápida agora!’

Eu amo o dialogo, o ideal, o sentimento. Medito a respeito. Eu posso ter muitos corações para dar, mas cada um é inesquecível. Cada vez que acontece, é um momento especial e me mata um pouquinho por dentro. A pessoa acaba levando uma pequena parte de mim, para sempre, sem nem saber.

E eu sou deixada à deriva, fazendo de conta que estou inteira, sangrando no salão, Fico pensando o que acontece com eles, eu sempre fico me questionando…

Será que são só os escritores, os músicos, artistas, poetas, que sangram? E será que, às vezes, eu levo pedaço dos outros por aí?

Mas dentro desses vazios, me deixam esses momentos, essas experiências, esses focos de magnificência que ninguém jamais poderá me tirar. Se eles levaram meu coração sangrante, sem nem notar, eles são os pobres, e eu a mais rica da situação.

E isso é a vida, certo? Morrer e viver de pouquinho todo dia? Novas células, novos pensamentos, novos padrões, novas experiências, novas oportunidades? O que é velho morre, o que é novo nasce?

Por dentro, carrego Zouks, Bachatas, Salsas, Salsarrós, Bachatangos, Forrós, Lambadas, Kizombas, Ruedas, Cha-chas, até mesmo umas Gafieiras e Tangos de iniciante, que não se apagarão.

Esqueço nomes de parceiros, às vezes suas faces, mas as danças, as sensações, são inapagáveis.

Se um dia, na velhice, eu tiver uma daquelas doenças horrorosas que comem lembranças, dizem que a memória de longo prazo fica mais acurada. Que eu possa manter essas danças. E minha esperança é que uma delas me cause um ataque cardíaco quentíssimo e me deixe morrer a velhinha mais feliz do mundo!

Esse texto em inglês/ This same post in English: Forró for All

Leia um conto sobre dançar forró: Forró dos Quatro Elementos

#forromates #sydneyforrodance

Forró dos Quatro Elementos

[um conto]


A sacerdotiza olhou para seu portal vazio de energia e pediu às Deusas e Deuses uma solução.
A última de suas Dançarinas da Lua havia retornado ao Brasil no mês anterior para estar perto da família e ela ficara sozinha, na terra distante, encarregada de um segredo que energizava o mundo mas que estava falhando. Um portal que se encontrava fosco depois de anos de isolamento de suas sacerdotizas pela pandemia.
Naquela noite, a feiticeira teve um sonho que enviou-lhe uma solução brilhante, tão simples, e o melhor de tudo, não precisaria iniciar ninguém. Nenhum envolvido no feitiço precisaria nem ficar sabendo, tudo que ela precisava fazer para reabastecer o portal era estar presente, levar sua própria energia.
O sonho não teria lhe sido enviado se a solução não fosse viável. Ela fez uma pesquisa online e foi recompensada! Sua alegria ao ver que depois de anos de tentativas, de idas e vindas, de começos e paradas, encontros sociais para dançar Forró tinham tornado-se consistentes e semanais em Sydney.
Era uma noite de lua cheia e sua conexão com a energia divina começou a pulsar no momento que a música bateu em seu peito ainda na base da escada do local onde o encontro se realizaria. Ela olhou para o medalhão no seu peito, e por enquanto, ele refletia a cor preta fosca.
A sofrência da música da Terra-Mãe apertou seu âmago e puxou-a escada acima.

Sendo uma nova personagem no salão, ela não foi convidada imediatamente para dançar. Ela inspirou profundamente olhando os casais se respirando na penumbra, com as luzes que piscavam em várias cores.
Colocou sua garrafa de água da Fonte Eterna por perto e ficou no círculo. Se as pessoas imaginassem o valor daquela garrafa de água!
Primeiro olhou para a parede. Achou engraçado que se alguém olhasse para sua sombra só veriam seu contorno, uma mulher como qualquer outra.
Ela entretanto, via, acima de sua sombra, a a silhueta de um dragão, o dobro de seu tamanho, soltando vapor e pequenas chamas pelas ventas, com asas abertas, olhos incendiados, mesmo na sombra da parede, e cuja expressão era de quem promete não se conter.
O Dragão-Rei, como lhe chamava, era um espírito ancestral que co-habitava sua habitação terrena, e nesse momento mantinha uma expressão de safadeza, desejo, sedenta.
‘Okay meu Rei, vamos incendiar esse salão.’ Disse-lhe a sacerdotiza telepaticamente.
O Dragão então incorporou suas asas nos braços dela, derretendo para dentro de seu corpo e liberando o excesso de energia pelo piso, irradiando por todo o ambiente. A sacerdotiza se virou para o centro do salão, seguindo os raios de luz verde que entravam pelas solas dos pés dos dançarinos, e se preparou para dançar.

A próxima música começou e os dançarinos se aceleram, se animaram, um grande feitiço se espalhou. Como um alinhamento dos planetas.
O primeiro que lhe tirou para dançar era como ar, com ele, seus pés mal tocaram o chão, a sacerdotiza sentia que caminhava nas nuvens, passos pequenos e leves, um sambar pequeno, uma alegria com estilo música popular brasileira, suave mas de alegria calma.
Ele lhe segurava em paradas da música e aproveitava cada sopro de movimento. Lhe sorria quando ela refletia a liderança dele e entendia seus caprichos sutis. A dança dele, um deleite.
Ao fim daquele primeiro encontro de elementos o medalhão já refletia um azul furtacor, como nuvens em um furacão.


Como os cantos de Gaia, o seu segundo parceiro fez com que se sentisse aterrada, pode dançar com ele de olhos fechados quase que todo o tempo. Sua dança não foi de estrepolias. Com poucos giros, e cheio de estilo, movimentos de corpo, a manteve encantada, conectada com a energia central do mundo, da Terra. Ela sentia a vibração vindo do centro do planeta entrando pelo piso correndo por seu centro até o gosto dessa energia no céu de sua boca.
Sabia o que ele ia fazer no momento que ele decidia o movimento. Nunca um passo em falso. Foram como árvores ao vento, dançando com a tempestade. Ao fim da música o mundo rejuvenesceu. Seu medalhão brilhou em cores de ouro e bronze, como Uluru, a pedra do centro da Austrália.


Quando o próximo dançarino se aproximou, o Dragão-Rei de dentro dela rugiu em sua mente. Fogo. Perigo. Como criança da água, era sempre o elemento que ameaçava extingui-la em chamas. Mas era também o que tinha a maior capacidade de recarregar as energias de seu portal, e não há como faze-lo sem a conexão com todos os quatro elementos.
Além disso, não havia como criar uma verdadeira troca de energias com cautela e barreiras, tentando se manter segura. A única maneira de dançar vulneravelmente, é lançando os medos ao vento e se lançando ao abismo. Esses dançarinos, o Universo lhe havia escolhido e enviado, seu Dragão-Rei os havia atraído, com química perfeita de dança. Parceiros ideais para reativar seu portal.
Há uma grande variação de o quanto a dança pode ser sensual, esse dançarino, o do fogo, fez a dança virar uma arte de sedução, um ato vertical melhor praticado na horizontal. A princípio testou as águas, e à medida que percebeu que ao invés de inclinar para trás, sua parceira se inclinou para frente; de que quando ele prendeu seu joelho entre os dele, ela prendeu o dele entre os dela, seus olhos faiscaram.
Não teve giro que ela perdeu, mão na cintura que ela recusou, traceio que ela não seguiu; ele sorriu de canto de boca, olhos brilhando; e prendeu a mão dela atrás de seu corpo tocando a palma de sua mão levemente com a ponta dos dedos dele, o safado.
Depois de um giro, ele deixou seu dedão escorregar para cima do colarinho do vestido dela, para tocar a base da sua nuca e no momento que ela sentiu o contato a energia dos dois explodiu por dentro. Ela o sentiu contra seu ventre.
Ele se viu obrigado a liderar uma série de giros, criando certa distância entre os dois corpos, antes de terminar, quando recuperou um pouco o controle, rosto contra rosto, na última batida da música.
Ela sentiu o medalhão queimando no peito entre os dois, e viu que estava vermelho como brasa quando foi tomar água da Fonte, o único bálsamo capaz de fazê-la manter a compostura, e apagar o incêndio que lhe consumia.
Precisou esperar algumas músicas pelo último elemento até poder se recuperar. Seu Dragão-Rei gritando-lhe internamente que queria mais. Mais! MAIS!


Ela virou-se de costas para o círculo de dançarinos enlouquecidos, colocando ar dentro da roupa, num ventilador, para ver se conseguia se equilibrar novamente.
O destino do mundo em suas mãos e ela estava se desfazendo por causa de uma dança… Mas ela lembrou-se de que o problema era a quantidade de energia canalizada, não duas pessoas, não era um problema carnal, era que estava realmente pedindo muito de seu ser encarnado. A cada dança, a energia se potencializava em relação à dança anterior.
Seu coração começou a bater de medo e antecipação pela dança que se aproximava. Seu elemento de nascença: Água. Aquele que vibrava com todas as moléculas de seu corpo.
Ela sabia quem seria o dançarino. Ela o tinha visto no momento que entrara no salão. Quando ele chegou até ela, com seus olhos da cor de oceanos, e lhe estendeu a mão e a segurou, foi como se encontrar nos braços da própria mãe Iemanjá.

O balanço do mar, isso lhe tirou as pernas, lhe deu guelras. Se sentiu como sereia.
O dançarino ancorado ao elemento água a submergiu em seus braços e lhe levou para seu mundo, um mundo submarino, fluido, com veios de lava, com um vulcão submerso.
Essa dança era era deslizada pelo chão, com ondas de corpo e alma, em absoluta sincronia com a música. Ele foi aprofundando seus movimentos e por uns momentos acaba prendendo a mão dela na sua, sobre seu coração, ela sentiu o pulsar de seu coração batendo com o dele, seu rosto com o rosto dele.
Num outro giro, como mágica, a mão dela terminou em seu pescoço nu, quente, molhado de suor. Seus olhos se encontraram por um instante, e se perderam numa galáxia distante. Ela derreteu por dentro, em um mundo líquido onde ela não sabe onde seu mundo começa e o dele termina.
Seus pés o seguiram, os dois seguindo a música até sua última batida. Quando eles terminaram estão respirando em sincronia. Ela sentiu que seu medalhão está em perfeito equilíbrio e o portal está energizado por mais um ciclo. Missão cumprida.
O Dragão-Rei descansando silencioso.

Ela sabia que deveria agradecer a dança como havia feito com todos os outros dançarinos, agradecer e fechar a experiência, enquadrando-a no que ela é: apenas um lindo momento no mundo, uma conversa perfeita, de energias em sincronia, um presente divino, um passado.
Mas dessa vez… ela saiu andando, perdida em alto mar…

[#forromates / #sydneyforrodance]

[Imagem principal: Quadro de Leeorah Hursky / http://www.leeorah.com]

Gêmeas de Alma Viva

É possível a gente psicografar texto de alma viva?
Sabe, igual o Xico Xavier fazia com espírito?
Hoje me deparei com esse conto que eu escrevi, e me fala se não é Verissimiano demais da conta?

Medicina Sem Milagres

Eu vivo escrevendo sobre o Veríssimo, o Luis Fernando, que é um dos meus Mestres.

Também fiquei pensando que eu tenho múltiplas-múltiplas-personalidades, e uma das coisas que as divide é a língua. Quem eu sou escrevendo em inglês e em português é completamente diferente. Quem lê as duas línguas deve achar que tem irmãs gêmeas, igual em novela Brasileira, não podem ser a mesma pessoa.

A gêmea australiana hoje amou ler o texto da que a gêmea brasileira escreveu em 2017.

Medicina sem Milagres

— Que isso Deus, tá tomando antiácido?
— Pois é, Pedrinho, tô num nervoso danado!
— Mas porque?
— Sabe o que é, é o avanço da tecnologia, da medicina especialmente…
— Como assim? Achei que você estava impressionado com os seres humanos, o que eles conseguiram fazer e descobrir.
— Impressionado eu até que tô, mas também tô frustradíssimo que não consigo falar com mais ninguém!
— Hum?
— Semana passada achei um moleque lá nos cafundós da Africa, lugar sem um celular, nem um curandeiro tinha na aldeia, e comecei a bater um lero com ele, aquela história de sempre, “então você é muito especial, eu sou Deus e estou falando com você”, estava indo tudo bem, a aldeia estava toda impressionada com o menino. Isso é, até quando baixa lá os Medicins Sans Frontiers e diagnosticam esquisofrenia, tacam um anti-psicótico no menino e pronto, acabou o nosso papo, ficou surdo, como todos os outros, não ouve mais nada.
— Ah Deus, que pena, então tá difícil de se comunicar é?
— Pois é Pedrinho, os únicos que me ouvem são meus queridos mendigos, mas aí ninguém ouve eles! E todo mundo que eu tento conversar vai parar no manicômio.
— E um milagre? Já pensou nisso, um milagre dos bons, de deixar todo mundo falando, aposto que ia fazer efeito!
Deus cai no choro, desconsolado.
— Calma Deus, porque essa choradeira? Qual o problema do milagre?
— Ai é a tecnologia que atrapalha! — Deus dá uma fungada daquelas — Eu mandei uma santa chorar e os cientistas disseram que era a condensação do ar, quem eles acham que fez o ar condensar na Santa? Mandei a santa sangrar e eles descobriram que foi o mendigo que eu convenci ir lá que colocou o sangue na Santa. Estou sem saida, cada vez que eu mando um milagre eles arrumam uma boa explicação, nem prá chuva no sertão tô ganhando atribuição… É a natureza, é a inversão térmica, até o aquecimento global, mas eu? Não to valendo nada. Ai que saudade do tempo da Joana d’Arc, uma boa fogueira não fazia mal a ninguém né?

Lara, Tony e os Zebus

Domingo, oito da matina, a Lara e eu estamos tomando café no nosso bairro. É uma portinha que serve cafés nas mesinhas que coloca na calçada.

A Lara não se chama Lara, mas como é o nome que lhe dei quando se transformou em minha personagem, vou adotar desde já. Há anos coleciono suas histórias e tenho trabalhado duro para escrever um livro com as aventuras dessa figura. Esse livro nasce direto em inglês na minha mente, por isso está dando tanto trabalho!

Essa tal Lara virou personagem porque as coisas mais inusitadas acontecem com ela, ou ao seu redor.

Por exemplo, a cena de um desses domingos de manhã. Estávamos indo trabalhar; ela trabalhar-trabalhar, por estar organizando um grande evento que está acontecendo essa semana. Eu porque indo acompanhá-la, posso fazer companhia e dedicar o dia para “os meus escritos” que são qualquer coisa desde promover meus livros, escrever-escrever, ou planejar os próximos passos que preciso tomar.

Estávamos ali, cafezinhos e torradas na mão, e a Lara olha para o lado, olha para mim, e me diz baixinho:

— Olha, o Tony Abbott está passando correndo!

E passa o Tony Abbott com um sorrisinho na cara, porque ele viu a Lara falando o nome dele. Ela percebe que ele percebeu e dá aquela disfarçada, olhando para o lado. Ele passa com a camisa suada junto com dois amigos, ainda trotando.

Só na Australia mesmo para passar o ex-primeiro ministro sem pompa nem cerimônia.

O que me veio na cabeça foi o conto “O Recital”, do Luís Fernando Veríssimo que depois de colocar um homem querendo tocar a tuba num quarteto de cordas, solta uma manada de zebus no palco.

Quando estou com a Lara, o cara da Tuba é o de menos, eu vivo esperando a manada!

Fazendo uma maratona… de escrita!

Dia primeiro de novembro, além de ser muito importante por causa do aniversário do meu pai, marca também o inicio mundial da Maratona de Escrita do website nanowrimo.org.O objetivo é escrever um livro em um mês. São 50,000 palavras o que faz com que o objetivo diário seja escrever 1667 palavras.

Por enquanto estou adiantada, no terceiro dia da maratona.

Ontem eu voltei para casa andando pela praia, parei no caminho para escrever e, como diz um amigo meu (obviamente brasileiro), ver bunda passar. 

Enquanto eu escrevia, passou bunda, passou boiada… cachorro, criança, nadadores, atletas (um desses passou cinco vezes, até eu ficar cansada só de olhar). 

Um casal parou para admirar como eu conseguia escrever sem olhar para o teclado.

É realmente um grande benefício, poder escrever olhando o mar e bunda passar… 

 

No Topo do Mundo

Estou no topo do mundo. Pelo menos me disseram que esse é o restaurante de maior altitude na Austrália. Chama-se ‘O Ninho da Águia’, ‘The Eagle’s Nest’. Cheguei aqui com o teleférico ‘Kosciuszko Express’ na montanha de Thredbo. Realmente, me sinto no alto do mundo.Como minhas pernas não estão colaborando para esquiar, resolvi fazer essa outra coisa que amo fazer…


Eu vim para as montanhas para esquiar, mas o meu nível de principiante-super-avançada não está funcionando de jeito nenhum hoje, e não estou dando conta nem de parecer principiante-nível-médio. Estou cansada com os músculos gritando de cãibra e dor. Talvez seja porque não estou muito fit esse ano, ou por ter dividido um quarto com quatro pessoas, as quais demoraram muito para ir para suas camas ontem, depois de uma longa viagem de Sydney até aqui. Acabei indo dormir quase três da manhã e fui acordada três vezes por uma $@sta de telefone antes das 5 da matina. A pessoa sem noção não desligou o telefone mesmo depois de eu pedir.

O que dificulta a gente a voltar a dormir é o pensamento “em que mundo essa pessoa acha que é okay deixar esse telefone tocando desse jeito?” Nós todos tínhamos que acordar cedo para pegar café da manhã, os equipamentos de esqui alugados e o passe dos teleféricos da montanha. Eu modifiquei minha reserva para essa noite, para um quarto só meu, sem telefones e conversas. Então resolvi tirar o melhor proveito da situação, e aqui estou, vendo as montanhas marrons, salpicadas de branco muito branco, com rochas que parecem esterco de dinossauro, mas muito bonitas mesmo assim.


Acabei de ouvir uma garçonete de cabelo vermelho falar para a outra loirinha com uma tatuagem de uma rosa ocupando metade de seu ante-braço:

– Você trouxe sua prancha?

– Trouxe.

– Vamos descer juntas depois do trabalho?

Quer dizer, quando terminarem seu turno as moças vão descer a montanha show-boarding. Muito legal né.


Como um dos meus gurus costuma dizer, isso é que é viver a vida dos seus sonhos da maneira que eu posso nesse momento. A viagem não era para ser nada chique, uma viagem de mochileiros, mas não dava para ficar melhor. Escrever com vista da montanha, comendo camarão ao vinho e alho e ainda sabendo que vou poder dormir hoje à noite, é simplesmente o máximo.

O restaurante tem cheiro de canela e oferece chocolate quente com Baileys. Adivinha o que vou pedir agora? Posso dizer, de corpo e alma, que estou feliz.

o som da mata

Eu estava andando para casa depois do trabalho, subindo o morro, na estrada que me leva do escritório para casa. Eu sei que parece estranho, mas eu trabalho num escritório que passa no meio de uma mata. De manhã eu sinto como se estivesse saindo de férias, todos os dias. Ainda assim é suficientemente perto do centro da cidade para que funcione.

Da mata, ouço um som, parecem vozes cantando no meio das árvores. Imagino um coral ou pessoas de um culto, gente reunida no meio do verde, cantando. À medida que me aproximo, vejo que é música pop, não música de coral como havia imaginado. Fico achando que é uma festa, mas não há nada ali a não ser árvores, um penhasco e água. Chego à clareira, e vejo um navio de cruzeiro, a fonte da tal música.

Sou recebida por um casal de perus que moram por ali, já vi a fêmea no local antes. Hoje recebi uma exibição do macho…

Female Turkey Grazing

Bicicleta Agalinhada

Estava eu a caminho do trabalho hoje de manhã, andando e falando ao telefone, quando sinto uma sombra se aproximando. Do jeito que nossa mente sabe das coisas sem olharmos eu sabia que era uma bicicleta que vinha atrás de mim.

Eu dei passagem e eis que surge no meu campo de visão uma bicicleta, como imaginado, só que em cima do guidão pousava uma galinha empalhada. Uma galinha empalhada que ainda era especial, não era uma qualquer, devia ser africana ou algo assim, parecia meio diferente.

O ciclista era um homem magro, sem músculos, com os ossos apontando nas costas peludas, e ele tinha na bicicleta dois alforges, aquelas sacolas que parecem sacos de sela para cavalo.

Fiquei com a impressão que a bicicleta era sua casa, quer dizer, o lar do homem e da galinha.