Ontem à noite entrei em estado de choque, de tristeza e alegria, assistindo e me inteirando dos protestos e acontecimentos do Brasil desde domingo.
Sou uma brasileira transformada australiana. Nasci no Brasil mas deixei-o há quase doze anos atrás. Saí porque sempre me senti um pouco alienígena no nosso país, com minhas idéias diferentes e a vontade de ler na hora do almoço várias vezes por semana, ao invés de jogar papo fora. Só não lia muito porque me sentia estranha.
E sentar na grama na hora do almoço, na empresa? Aquele gramadão bonito, macio, super bem cuidado, só para ver. Também, na minha imaturidade, não tinha coragem. Se fosse hoje…
A outra idéia estranha é de que chefe tem que ser gente e tratar gente feito gente, não funcionário feito lixo. Que empresas têm responsabilidade com seus funcionários, mas que os funcionários também têm responsabilidade com suas empresas, entre muitas outras coisas.
Por isso, fui embora, emigrei para a Austrália, em busca de qualidade de vida e uma cultura mais próxima do meu alien interno. Achei.
Na verdade, ontem fiquei sabendo um pouco mais de tudo que gerou os protestos, as “tranqueiras” do Lula guardados no galpão, a extensão da operação lava-jato, as condenações, a escala da corrupção. Fiquei sabendo mais sobre o problema do Zica, o absurdo da Dilma oferecer al Lula um ministério, até um pouco sobre a lama de Mariana e assim vai.
De vez em sempre me reuno com dois outros brasileiros para assistir velhas séries e novelas brasileiras. Assistimos o Roque Santeiro, a Tieta, Decadência, Que Rei Sou Eu, estamos vendo Riacho Doce agora. Mas ontem ao invés de assistir nossa novela planejada, precisamos mergulhar no youtube e descobrir o que estava acontecendo.
Meu espanto foi tanto que achei que podia me jogar da sacada da casa da minha amiga que ia sair voando. Eu só podia estar sonhando. A gota d’água para mim foram o sumiço das obras de arte do Palácio do Planalto e — como não poderia deixar de ser para qualquer escritor — o mais penoso foi ler uma lista que dizia que o Lula tinha levado duzentos livros na mudança. Não consigo acreditar que os duzentos livros eram dele.
O Portinari, gente, o Portinari faz parte da história da minha família. Numa outra lista notou-se o desaparecimento de uma obra do Portinari, fico aqui com esperança de que isso seja uma mentira, ou que eles encontrem a obra no tal armazém que não é do Lula mas que guarda as “tranqueiras” dele. Que ofensa.
O sangue ferveu, o cérebro parou, o queixo caiu, possivelmente até babei.
Por outro lado, ver os protestos me encheu de felicidade, não só pelo movimento em si, o maior impacto para mim é no orgulho do brasileiro, no patriotismo, no apoio à polícia federal, ao poder judiciário. Deixou-se de lado a descrença de que alguma coisa pode ser feita. Vejo uma grande chance do brasileiro recuperar o orgulho e o conceito de honestidade.
O fato de que tanta gente foi condenada, está indo para a cadeia, que o ex-presidente foi obrigado a depor e pode ser preso, que existe uma saída, é muito encorajador. Estou cheia de esperança e alegria, pensando no impacto disso no dia-a-dia do brasileiro, que em um grande movimento passou a celebrar o que é certo.
Espero que o grito de milhões de brasileiros leve aos corações dos nossos mal pagos policiais e judiciários, um alimento que os mantenha na linha e que os que estejam fazendo ou pensando em fazer algo que prejudique os outros, se lembre que existem consequências. Esse eu acho que é o verdadeiro poder desses protestos, a semente que planta na idéia de cada um e especialmente das novas gerações: o fim da lei de Gerson.
[Nota: o texto em inglês é bem diferente desse em português, em inglês eu escrevi para o estrangeiro, em português para o brasileiro.]
[Crédito da imagem utilizada: http://www.economist.com/blogs/americasview/2013/06/protests-brazil]