[um conto]
A sacerdotiza olhou para seu portal vazio de energia e pediu às Deusas e Deuses uma solução.
A última de suas Dançarinas da Lua havia retornado ao Brasil no mês anterior para estar perto da família e ela ficara sozinha, na terra distante, encarregada de um segredo que energizava o mundo mas que estava falhando. Um portal que se encontrava fosco depois de anos de isolamento de suas sacerdotizas pela pandemia.
Naquela noite, a feiticeira teve um sonho que enviou-lhe uma solução brilhante, tão simples, e o melhor de tudo, não precisaria iniciar ninguém. Nenhum envolvido no feitiço precisaria nem ficar sabendo, tudo que ela precisava fazer para reabastecer o portal era estar presente, levar sua própria energia.
O sonho não teria lhe sido enviado se a solução não fosse viável. Ela fez uma pesquisa online e foi recompensada! Sua alegria ao ver que depois de anos de tentativas, de idas e vindas, de começos e paradas, encontros sociais para dançar Forró tinham tornado-se consistentes e semanais em Sydney.
Era uma noite de lua cheia e sua conexão com a energia divina começou a pulsar no momento que a música bateu em seu peito ainda na base da escada do local onde o encontro se realizaria. Ela olhou para o medalhão no seu peito, e por enquanto, ele refletia a cor preta fosca.
A sofrência da música da Terra-Mãe apertou seu âmago e puxou-a escada acima.
Sendo uma nova personagem no salão, ela não foi convidada imediatamente para dançar. Ela inspirou profundamente olhando os casais se respirando na penumbra, com as luzes que piscavam em várias cores.
Colocou sua garrafa de água da Fonte Eterna por perto e ficou no círculo. Se as pessoas imaginassem o valor daquela garrafa de água!
Primeiro olhou para a parede. Achou engraçado que se alguém olhasse para sua sombra só veriam seu contorno, uma mulher como qualquer outra.
Ela entretanto, via, acima de sua sombra, a a silhueta de um dragão, o dobro de seu tamanho, soltando vapor e pequenas chamas pelas ventas, com asas abertas, olhos incendiados, mesmo na sombra da parede, e cuja expressão era de quem promete não se conter.
O Dragão-Rei, como lhe chamava, era um espírito ancestral que co-habitava sua habitação terrena, e nesse momento mantinha uma expressão de safadeza, desejo, sedenta.
‘Okay meu Rei, vamos incendiar esse salão.’ Disse-lhe a sacerdotiza telepaticamente.
O Dragão então incorporou suas asas nos braços dela, derretendo para dentro de seu corpo e liberando o excesso de energia pelo piso, irradiando por todo o ambiente. A sacerdotiza se virou para o centro do salão, seguindo os raios de luz verde que entravam pelas solas dos pés dos dançarinos, e se preparou para dançar.
A próxima música começou e os dançarinos se aceleram, se animaram, um grande feitiço se espalhou. Como um alinhamento dos planetas.
O primeiro que lhe tirou para dançar era como ar, com ele, seus pés mal tocaram o chão, a sacerdotiza sentia que caminhava nas nuvens, passos pequenos e leves, um sambar pequeno, uma alegria com estilo música popular brasileira, suave mas de alegria calma.
Ele lhe segurava em paradas da música e aproveitava cada sopro de movimento. Lhe sorria quando ela refletia a liderança dele e entendia seus caprichos sutis. A dança dele, um deleite.
Ao fim daquele primeiro encontro de elementos o medalhão já refletia um azul furtacor, como nuvens em um furacão.
Como os cantos de Gaia, o seu segundo parceiro fez com que se sentisse aterrada, pode dançar com ele de olhos fechados quase que todo o tempo. Sua dança não foi de estrepolias. Com poucos giros, e cheio de estilo, movimentos de corpo, a manteve encantada, conectada com a energia central do mundo, da Terra. Ela sentia a vibração vindo do centro do planeta entrando pelo piso correndo por seu centro até o gosto dessa energia no céu de sua boca.
Sabia o que ele ia fazer no momento que ele decidia o movimento. Nunca um passo em falso. Foram como árvores ao vento, dançando com a tempestade. Ao fim da música o mundo rejuvenesceu. Seu medalhão brilhou em cores de ouro e bronze, como Uluru, a pedra do centro da Austrália.
Quando o próximo dançarino se aproximou, o Dragão-Rei de dentro dela rugiu em sua mente. Fogo. Perigo. Como criança da água, era sempre o elemento que ameaçava extingui-la em chamas. Mas era também o que tinha a maior capacidade de recarregar as energias de seu portal, e não há como faze-lo sem a conexão com todos os quatro elementos.
Além disso, não havia como criar uma verdadeira troca de energias com cautela e barreiras, tentando se manter segura. A única maneira de dançar vulneravelmente, é lançando os medos ao vento e se lançando ao abismo. Esses dançarinos, o Universo lhe havia escolhido e enviado, seu Dragão-Rei os havia atraído, com química perfeita de dança. Parceiros ideais para reativar seu portal.
Há uma grande variação de o quanto a dança pode ser sensual, esse dançarino, o do fogo, fez a dança virar uma arte de sedução, um ato vertical melhor praticado na horizontal. A princípio testou as águas, e à medida que percebeu que ao invés de inclinar para trás, sua parceira se inclinou para frente; de que quando ele prendeu seu joelho entre os dele, ela prendeu o dele entre os dela, seus olhos faiscaram.
Não teve giro que ela perdeu, mão na cintura que ela recusou, traceio que ela não seguiu; ele sorriu de canto de boca, olhos brilhando; e prendeu a mão dela atrás de seu corpo tocando a palma de sua mão levemente com a ponta dos dedos dele, o safado.
Depois de um giro, ele deixou seu dedão escorregar para cima do colarinho do vestido dela, para tocar a base da sua nuca e no momento que ela sentiu o contato a energia dos dois explodiu por dentro. Ela o sentiu contra seu ventre.
Ele se viu obrigado a liderar uma série de giros, criando certa distância entre os dois corpos, antes de terminar, quando recuperou um pouco o controle, rosto contra rosto, na última batida da música.
Ela sentiu o medalhão queimando no peito entre os dois, e viu que estava vermelho como brasa quando foi tomar água da Fonte, o único bálsamo capaz de fazê-la manter a compostura, e apagar o incêndio que lhe consumia.
Precisou esperar algumas músicas pelo último elemento até poder se recuperar. Seu Dragão-Rei gritando-lhe internamente que queria mais. Mais! MAIS!
Ela virou-se de costas para o círculo de dançarinos enlouquecidos, colocando ar dentro da roupa, num ventilador, para ver se conseguia se equilibrar novamente.
O destino do mundo em suas mãos e ela estava se desfazendo por causa de uma dança… Mas ela lembrou-se de que o problema era a quantidade de energia canalizada, não duas pessoas, não era um problema carnal, era que estava realmente pedindo muito de seu ser encarnado. A cada dança, a energia se potencializava em relação à dança anterior.
Seu coração começou a bater de medo e antecipação pela dança que se aproximava. Seu elemento de nascença: Água. Aquele que vibrava com todas as moléculas de seu corpo.
Ela sabia quem seria o dançarino. Ela o tinha visto no momento que entrara no salão. Quando ele chegou até ela, com seus olhos da cor de oceanos, e lhe estendeu a mão e a segurou, foi como se encontrar nos braços da própria mãe Iemanjá.
O balanço do mar, isso lhe tirou as pernas, lhe deu guelras. Se sentiu como sereia.
O dançarino ancorado ao elemento água a submergiu em seus braços e lhe levou para seu mundo, um mundo submarino, fluido, com veios de lava, com um vulcão submerso.
Essa dança era era deslizada pelo chão, com ondas de corpo e alma, em absoluta sincronia com a música. Ele foi aprofundando seus movimentos e por uns momentos acaba prendendo a mão dela na sua, sobre seu coração, ela sentiu o pulsar de seu coração batendo com o dele, seu rosto com o rosto dele.
Num outro giro, como mágica, a mão dela terminou em seu pescoço nu, quente, molhado de suor. Seus olhos se encontraram por um instante, e se perderam numa galáxia distante. Ela derreteu por dentro, em um mundo líquido onde ela não sabe onde seu mundo começa e o dele termina.
Seus pés o seguiram, os dois seguindo a música até sua última batida. Quando eles terminaram estão respirando em sincronia. Ela sentiu que seu medalhão está em perfeito equilíbrio e o portal está energizado por mais um ciclo. Missão cumprida.
O Dragão-Rei descansando silencioso.
Ela sabia que deveria agradecer a dança como havia feito com todos os outros dançarinos, agradecer e fechar a experiência, enquadrando-a no que ela é: apenas um lindo momento no mundo, uma conversa perfeita, de energias em sincronia, um presente divino, um passado.
Mas dessa vez… ela saiu andando, perdida em alto mar…
[#forromates / #sydneyforrodance]
[Imagem principal: Quadro de Leeorah Hursky / http://www.leeorah.com]
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